segunda-feira, 14 de maio de 2012


Trrrrrrrrrrrrrrrrrrrriiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiimmmmmmmm!

– Alô! Senhora, insisto: seu globo ocular está estacionado em local proibido.
– Vixe! Desculpe Senhor. Está atrapalhando a passagem de alguém?
– Naturalmente. Mova-se! Eu preciso urgente passar com um carro, uma casa, um dia de trabalho, uma família, um grupo de presbiterianos, uma receita médica, uma conta pra pagar, uma universidade, uma desapropriação residencial, um corredor da morte, uma escada, uma cópia da última versão dos direitos civis, uma secretária bilíngue, um artigo acadêmico, um biscoito de reduzido número de calorias, uma comitiva de parlamentares, um dicionário de latim, um cartão de visitas e uma gaiola.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Abyssus abyssum invocat

Tirou o chapéu. Costumava ir cinco vezes ao banheiro, sendo duas delas para uso exclusivo da pia. Trilhou naquele dia um caminho igual, sem avantes, mas também sem retaguardas. Caminhou esquivando-se do sol; figurou papel invisível por três horas em baixo do próprio edredom. Lhe agradavam as narrativas curtas ,  admirando-se com o que se podia fazer entre dois pontos, ou entre ponto e vírgula, ou entre parênteses, ou entre, suas favoritas pela permissividade, as aspas. Contava sua vida a si mesmo, sempre dizendo de forma fragmentária e em sincronia aos movimentos: “deu dois passos”; “curvou a cabeça em direção as nuvens”; “olhou assombrado para sua esposa como se surgissem dela formigas buñueliando as mãos". Era uma forma de não cansar-se de si mesmo: ser na terceira pessoa. Admitiu que as coisas que não existiam eram sempre melhores e reticenciou... Viveu bem. Até um dia em que encontrou sobre a mesa um livro sobre ele, com todos os seus passos descritos. Aquilo era uma sentença. Morreu mise an abyme

domingo, 19 de dezembro de 2010



Para os dias espasmódicos, de joelhos inquietos relutantes, frêmitos, ânsias longínquas anciãs, turbulências –   tijolos vermelhos. Para os dias insônes, de olhos arregalados, narinas ressequidas, lábios arroxeados, unhas cravadas no solo russo craquelê – tijolos amarelos. Para os dias nauseabundos, foscos, de quedas sem preâmbulo, de palmas abertas erguidas e cotovelos postos à mesa  tijolos azuis.


Os pés titubeantes saltam, sambam, colapsam, eclipsam. Esbarram-se e embaralham-se com frequência - na - es - ca - la - so - nora - naescala -devôonaesca - ladetraba - lhonaescalade - ventonaescalatermométrica - naescalasocialnaescalacromá - ticaatécataaaaaveeeentobraaanco... 

Instantia Crucis, 2º dia do outono de 2010.

No lugar das rodas é envolvido o objeto locomotivo por um largo tecido emborrachado. O volante, a despeito de toda ilusão que propicia de controle, deserve-se para algo; é pêndulo deslocado que anuncia, ironicamente, na sua, a circularidade inexistente em qualquer outra parte – no tempo, no uso que faz-se do espaço. Nesta cidade as ruas foram substituídas por pátios de deslize em que carrinhos tromba-tromba ou bate-bate deambulam, afetando aos empurrões os percursos uns dos outros. Ah, se soubessem antes o lugar da dissolução da propriedade; arquitetos teriam sido Bakunin, Malatesta, Kropotkin...: bastou tirar da rota o destino. 


Tirado o regimento, não havia mais possibilidade de retorno. A janela da casa engolindo a cidade, fazendo cabê-la dentro de seus muros. Tudo quanto era encosto e conforto foi se nomeando casa, tudo quanto era espaço de produção, apropriado como trabalho. Não havia mais como voltar ao mesmo local todos os dias, os esbarrões poriam os sujeito a seguir rotas antagônicas a de seus desejos que, por outro lado, aos poucos ganharam a mesma capacidade metamórfica, uma liquidez incontrolável, tornado-se sempre invariavelmente outro, inapreensíveis linhas de fuga. Ali, tudo que ocupava intervinha, os cruzamentos como pontos de tomada de posse do destino: lombadas, postes, pessoas (objetos vivos, não vivos ou, quiçá, Odradeks); a malemolência dos perigos, dos corpos ocupantes do espaço e, aos poucos, a impossibilidade de aplicação dos pronomes possessivos a qualquer objeto. Nada poderia pertencer à, e as coisas acabavam pertencendo por um tempo a si mesmas, depois nem a si -  hasta la disolución del pertencimiento....

Instantia Crucis, 1º dia do outono de 2010